20 de set. de 2009

Top Concurso - Cruz Credo, Lazarento...!

O texto selecionado dessa semana foi do Autor: NOGUEIRA


Lugar pequeno tem suas vantagens, todos se conhecem, se cumprimentam, freqüentam a mesma igreja, se dividem no futebol de domingo no mesmo campo, mas, tem-se a desvantagem de ser vigiado o tempo todo! Agora, imaginem este lugar pequeno com um agravante, só tem Josés e Joãos! Aí não tem jeito! “Bota” apelidos pra separar! Então aparece João da Égua, Zé Ruela, Zé das Couves, o João do Fumo, e por aí vai...

Mas Zezinho ainda era virgem de apelido, e por ser tão novinho ainda não merecia tamanha distinção! Não merecia, mas ela veio!

Imaginem vocês que Zezinho foi excomungado pelo padre João José, o pároco local! Fez coisa ruim, não pensou direito!

Na verdade ele jogou pedra na cruz!

Não! Não foi na cruz de Cristo, foi na cruz de João Casquinha, seu inimigo mortal!

Cara! João Casquinha era o tinhoso em forma de moleque! Mais novo que Zezinho, porem, tinha irmãos mais velhos!

Vocês já viram um moleque mais novo bater num moleque mais velho? Pois é! O relacionamento dos dois era assim, João Casquinha batia, e Zezinho apanhava, surras doídas, que agüentava calado por medo dos irmãos mais velhos do inimigo!

Zezinho não era feliz, João Casquinha não deixava! Então não teve outro jeito, o ódio brotou sem controle no peito de Zezinho que se deixou levar por este sentimento que faz a gente desejar a morte do inimigo. Nos dias de hoje com certeza ele compreende que não devemos dar trela para o ódio, mas na época ele não conseguia ter estes entendimentos, e quando recebeu a notícia de que João Casquinha tinha morrido atropelado por um trem de carga (carregado com rolos de aço que ia pra Volta Redonda), sentiu-se traído pelo destino!

A esperança guardada de que um dia devolveria ao menos uma surra das centenas que levou, se foi...! E não era assim que ele imaginou o fim do relacionamento dos dois, João Casquinha não podia ir embora deste jeito, sem provar um pouco das humilhações que o fez passar. Foi então que teve a infeliz idéia de ir até a cruz que marcava o destino trágico do desafeto e, depois de urinar e defecar em torno dela, não contente resolveu atirar-lhe algumas pedras.

Seu grande erro! Alguém viu e delatou para os irmãos mais velhos do falecido, pronto, mais surras, cinco no total!

O ato do menino se espalhou, sabe como é, lugar pequeno...

Algumas corocas ao passarem por ele, diziam baixo o suficiente pro lugarejo inteiro escutar: _Cruz Credo! E faziam o sinal da cruz!

Então veio o apelido, Cruz Credo!

Pra tentar amenizar as coisas, Cruz Credo foi se confessar com padre João José! A mijada e a defecação ele pagou com oitocentas e vinte e sete Aves Marias e duzentas e trinta e seis Salves Rainhas! Mas a pedrada na cruz não teve jeito, era imperdoável, por isso foi excomungado pelo padre! Não poderia mais usar seu nome de batismo, e a pedido da igreja, até seus pais o chamavam de Cruz Credo!

Cruz Credo cresceu revoltado!

Macambúzio, deixou de falar com todos e remoia seu ódio consigo mesmo tramando vinganças contra o mundo. E quando todos nem percebiam mais sua presença entre eles, eis que ele renasce num dia em que aquele lugar perpetuou na sua história.

Ano bissexto de 2008, 29 de fevereiro, dia de São Horácio, o padroeiro do lugar! Um feriado que tornava aquele dia o mais importante para o lugarejo que, logo nas primeiras horas do dia já prestava homenagens ao santo.

Depois da procissão e da quermesse frente á igreja, tinha inicio o momento mais importante do dia, o encerramento dos festejos com a coroação de santo Horácio!

No instante em que todos os olhos do lugar admiravam seu padroeiro nas escadarias da igreja, cuja imagem de mais de metro trabalhada em cerâmica pura, importada a custa de euros diretamente da Europa, e que comprometeu o orçamento do município arrecadado por meses, o escolhido para a coroação se aproxima e pode-se ouvir murmurinhos transformados em comoção pelos moradores do lugarejo e adjacências. Prestes a colocar a coroa no santo, o escolhido admirava aquele mar de gente e um sorriso de satisfação brotou desajeitado nos lábios desacostumado a sorrir.

A multidão via no gesto do rapagote a redenção de sua alma, e aplaudiam gritando vivas e aleluias a Cruz Credo, fazendo coro aos gritos de padre João José.

Cruz Credo se concentrou no santo, e com uma das mãos ergueu a coroa, com a outra, empurrou a imagem do santo escadaria abaixo, que foi transformada em milhares de pedaços miúdos, impossíveis de serem juntados.

Um inexplicável silêncio tomou conta do lugar por um tempo enorme, e quando alguém conseguiu falar, foi pra gritar:

_Cruz Credo! Seu lazarento!

Depois deste dia ele nunca mais foi visto naquelas bandas, alguns dizem que ele foi pra Vitória no Espírito Santo, pra ver de perto os lindos olhos de Edilene, outros dizem que ele se perdeu entre as histórias fantásticas de Sandra Franzoso, tem até os que juram que ele foi pra Nhamundá, terra de mestre Lison, com a idéia de aprender com ele a arte de ser feliz. Certeza da verdade ninguém teve a ousadia de mostrar, mas no lugarejo onde nasceu nunca mais foi esquecido!

Não tinha como falar de São Horácio, o padroeiro, sem se lembrar de Cruz Credo!

Aquele lazarento...!

3 comentários:

chica disse...

Muito legal e bem divertido texto,Parabéns ao Nogueira! abração a todos, bom domingo,chica

Sandra Franzoso disse...

Amei o conto. Adorei a homenagem rsrsrs, Grande Nogueira! Mas, independente disso, tá muito bem escrito.
Pobre Cruz Credo!
Parabéns ao Nogueira.
Beijos!

Anônimo disse...

Parabéns ao Nogueira!
Gostei muito do conto, é muito divertido!

Abraços
Luísa

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